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A NEOLOGIA NA LÍNGUA PORTUGUESA: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Ieda Maria Alves

Universidade de São Paulo, Brasil

 

Os trabalhos realizados a respeito das línguas românicas têm mostrado que tais línguas apresentam características comuns, especialmente no que concerne às línguas de especialidade: formantes comuns, grande número de formações sintagmáticas; empréstimos da língua inglesa (cf., por exemplo, Alves, 1996, p. 256-8; Cabré, 1993, p. 445-52; Kocourek, 1991, p. 105-79; Lino, 1990, p. 68-74).

Como representante de um país de fala portuguesa, nesta mesa-redonda, parece-nos oportuno comentar os problemas gerais relativos à neologia na língua portuguesa. Abordaremos, em seguida, os problemas específicos referentes à língua portuguesa falada no Brasil porque os conhecemos melhor e porque conhecemos também algumas das tentativas em curso para solucioná-los.

O português é a quinta língua falada no mundo, língua oficial de sete países: Portugal, Brasil, Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau e Cabo Verde. Falada aproximadamente por 190 milhðes de pessoas. No entanto, com exceção de Portugal e do Brasil, em que o português é também a língua nacional, nos outros países o idioma concorre com a presença de várias outras línguas nacionais, e mesmo com o inglês, particularmente em Moçambique.

Nesses países de fala portuguesa um problema comum consiste na falta de uma política harmonizada de planejamento linguístico, concernente à neologia técnico-científica, que identifique:

- diretrizes linguísticas para a criação de termos;

- critérios para o reconhecimento, a aceitabilidade e a difusão de neologismos;

- setores novos ou recentes, ou outros, que acusem lacunas terminológicas (cf. Boulanger, 1989).

Um outro problema, que afeta todos os países de fala portuguesa, é a não-existência de uma rede, nos moldes do RINT (Réseau International de Néologie et de Terminologie), para o francês, que trabalhe na divulgação da neologia em língua portuguesa. Lembramos aqui o projeto Balnéo, em implantação pela mencionada rede francesa, que tem a finalidade de difundir, por meio de uma rede informática, as atestações de neologismos detectadas por observadores francófonos (Le Meur e Depecker, 1995). A falta de uma rede em língua portuguesa ou de um organismo que dê difusão a uma coleta sistemática impede que neologismos atestados sejam difundidos e mesmo que as diversas iniciativas, às vezes em um mesmo país, sejam conhecidas. Nossa experiência, a esse respeito, refere-se a um projeto que denominamos "Observatório de Neologismos Científicos e Técnicos do Português Contemporâneo" e que desenvolvemos há vários anos. Esse projeto tem priorizado algumas áreas e tem permitido verificar, por exemplo, os processos mais produtivos para a formação de termos e o papel dos empréstimos provenientes da língua inglesa no idioma português falado no Brasil. Temos constatado, assim, que a recepção de empréstimos ingleses é relevante em algumas áreas ou subáreas das línguas de especialidade (Informática, Economia), porém relativamente reduzida no conjunto dos tecnoletos.

A difusão desses resultados e de outros trabalhos similares, produzidos nos países de fala portuguesa - em Portugal, na Universidade Nova de Lisboa, existe o "Observatório de Neologismos do Português" -, poderia ser realizada por meio de uma rede, o que contribuiria para uma divulgação mais eficaz dos neologismos atestados.

No contexto brasileiro, uma política de planejamento neológico enfrenta problemas de caráter específico:

- grandeza do território brasileiro, fato que, inevitavelmente, contribui para a ocorrência de variações lexicais;

- relações privilegiadas estabelecidas entre o português e o espanhol, em razão da situação geográfica do Brasil, cercado por países de fala espanhola, e das relações comerciais resultantes do Mercosul;

- recepção de técnicas e conhecimentos oriundos especialmente dos países de expressão inglesa.

Como consequência desses problemas, uma política neológica para o português do Brasil deve levar em conta esses fatos, considerando: as variações lexicais que ocorrem nos tecnoletos; as relações estabelecidas entre o português e o espanhol; a recepção de empréstimos da língua inglesa.

Para a solução desses problemas concernentes ao português do Brasil, apontaremos algumas iniciativas que estão sendo implementadas por diferentes instituições, de caráter público e privado, com vistas à implantação de uma política linguística para o português brasileiro, na qual a neologia ocupa um lugar privilegiado.

A primeira iniciativa diz respeito à criação da Comissão de Estudo Especial Temporária de Terminologia, em 1992, pelo IBICT (Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia), um organismo privado, e pela ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas), uma instituição pública.

Essa comissão tem o objetivo de traduzir e adaptar para o contexto brasileiro as normas elaboradas pelo comitê técnico ISO/TC 37 da ISO (International Organization for Standardization). Aderiram a essa comissão vários profissionais que, em suas atividades, desenvolvem algum trabalho pertinente à análise terminológica: tradutores técnicos, documentalistas, professores e pós-graduandos vinculados às áreas da Lexicologia, Terminologia e Tradução, assim como profissionais que, em suas empresas, praticam alguma atividade relacionada com a Terminologia.

Os resultados dos primeiros trabalhos da Comissão (normas internacionais ISO 10 241/94, ISO/DIS 860/95 e ISO 639/91), sob forma de projeto de norma brasileira, já foram submetidos a votação nacional e aguardam divulgação pela ABNT. Esses projetos passaram por várias fases e foram objeto de bastante discussão, resultante, sobretudo, das diversas tendências metodológicas e das diferentes orientações que seguem os membros da Comissão. Essas diferentes tendências metodológicas e orientações contribuíram, no entanto, para o amudurecimento dos trabalhos e espera-se que, uma vez divulgadas, as normas possam servir de parâmetro para os trabalhos terminológicos, tanto do ponto de vista metodológico quanto no que concerne à terminologia empregada.

Outra iniciativa está sendo implementada pelo IBICT, que, acolhendo um projeto elaborado pela pesquisadora Enilde Faulstich, da Universidade de Brasília, está implantando o Banco de Dados Terminológicos do Brasil, o Brasilterm.

Esse banco que visa, por um lado, a registrar os resultados da pesquisa terminológica realizada no Brasil, tem também o objetivo de atender às necessidades de comunicação técnico-científica criadas com o Mercosul e, ainda, de alimentar o Banco Terminológico do Mercosul.

A entrada dos neologismos terminológicos que integrarão o Brasilterm deve obedecer a uma política de planificação que considere as características específicas do português do Brasil, já mencionadas. Para atender a essa finalidade, foi-nos confiada a elaboração de um "Projeto de Política Neológica para o Português do Brasil", que, por meio de critérios de caráter linguístico, sociolinguístico e metodológico, adotados internacionalmente, propðe princípios para a normalização de neologismos vernáculos e recebidos por empréstimo (cf. Alves, 1996).

Estas breves considerações sobre os problemas concernentes à criação neológica de caráter técnico-científico na língua portuguesa, especialmente em sua variante brasileira, assim como sobre as tentativas para a solução desses problemas, levam-nos a concluir nossa exposição de maneira otimista.

A criação de uma rede de neologia lusófona no âmbito da Riterm é, segundo afirmou neste simpósio Daniel Prado, Diretor do Programa de Terminologia da União Latina, bastante possível e constitui mesmo uma das metas da mencionada rede. E, no que concerne especificamente ao português do Brasil, a implantação da Comissão de Estudo Especial Temporária de Terminologia e do Brasilterm constitui duas iniciativas que já estão contribuindo para o desenvolvimento dos trabalhos terminológicos e neológicos no Brasil.

 

 

Referências Bibliográficas

ALVES, Ieda Maria. Um projeto de política neológica para o português do Brasil. Revista Internacional de Língua Portuguesa, 15, 1996, p. 53-7.

------------------ Un projet terminologique: l' observatoire de néologismes scientifiques et techniques du portugais du Brésil. Méta, 41, no 2, juin 1996, p. 255-8.

BOULANGER, Jean-Claude. L' évolution du concept de NÉOLOGIE, de la linguistique aux industries de la langue. In: SCHAETZEN, Caroline de. Terminologie diacronique. Paris, CILF, Bruxelles, Ministère de la Communauté Française de Belgique, 1989, p. 193-211.

CABRÉ, Maria Teresa. La terminologia. Teoría, metodología, aplicaciones. Barcelona, Editorial Antártida/Empúries, 1993.

KOCOUREK, Rostislav. La langue française de la technique et de la science. 2è éd. Wiesbaden, Verlag and Co. KG, 1991.

LINO, Maria Teresa. Néologie(s) et terminologie: Observatoire du Portugais Contemporain. La Banque des Mots, numéro spécial 1990, p. 67-74.

LE MEUR, André e DEPECKER, Loic. Balnéo: un projet de réseau informatique pour la veille néologique. Terminologies Nouvelles, 14, déc. 1995, p. 48-53.

 

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