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DO DOMÍNIO JURÍDICO-AMBIENTAL: PROPOSTA DE CRITÉRIOS PARA SELEÇÃO E TRATAMENTO DE UNIDADES FRASEOLÓGICAS

 

Cleci Regina Bevilacqua

Projeto TERMISUL, Instituto de Letras, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil

 

Este trabalho tem o objetivo de apresentar os critérios para a identificação e a descrição das Unidades Fraseológicas (UFs) típicas do discurso jurídico-ambiental, presentes na Legislação Federal Ambiental Brasileira. Os resultados aqui apresentados são decorrentes da pesquisa desenvolvida para a dissertação de mestrado realizado no Curso de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sob a orientação da Profa. Dra. Maria da Graça Krieger.

Tratar da fraseologia e, no caso específico deste trabalho, da fraseologia da língua de especialidade, significa entrar no terreno da delimitação de unidades complexas, tema que vem merecendo a atenção por parte de muitos estudiosos nos últimos anos. Implica, sobretudo, o estabelecimento de critérios para reconhecer e estabelecer os limites entre unidades terminológicas (UTs) e unidades fraseológicas (UFs). Aqueles que trabalham com terminologia sabem que é complexa a terefa de estabelecer esses limites.

Surge daí a importância de seu tratamento, principalmente, quando se trata de uma área emergente como é o caso do Direito Ambiental.

Especificamente em relação à fraseologia desse domínio, surgiram, dois problemas fundamentais que motivaram a presente pesquisa. O primeiro relativo ao tipo de critérios que deveriam ser estabelecidos para o reconhecimento de unidades pertencentes a um domínio emergente, constituído, por um lado, pelo Direito e, por outro, pelas questões ambientais, mas que assume um estatuto próprio.

O segundo, originado após a coleta das unidades, refere-se ao reconhecimento dessas unidades como próprias do domínio jurídico-ambiental, uma vez que sua proximidade da língua comum poderia gerar dúvidas quanto à sua pertinência à língua comum ou à língua de especialidade.

Em busca de respostas para essas questões, verificou-se, incialmente, a existência de diferentes perspectivas para o tratamento da fraseologia. Autores como Pavel (1993) e Blais (1993) consideram as UFs como o "ambiente do termo", isto é, são os elementos que ocorrem com determinado termo de forma recorrente. Por sua vez, Picht (1991) a define como uma oração que contém, no mínimo, dois elementos (conceitos), um dos quais possui características de objeto e o outro de verbo.

Já Goudec propõe que tais unidades caracterizam-se como cadeias de caracteres especializadas em um domínio, podendo ou não incluir um termo e cuja extensão pode variar de um conjunto de palavras a um conjunto de frases e parágrafos.

Observou-se ainda que a maior parte dos estudiosos que se dedica ao estudo da fraseologia toma como base critérios fundamentalmente lingüísticos para seu reconhecimento, utilizando sua conformação multivocabular, sua estrutura morfossintática e as relações semânticas existentes entre seus elementos para caracterizá-la. Muitos autores apresentam, além desses aspectos, a realização de testes de comutabilidade e de inserção de elementos para sua identificação.

No entanto, constatou-se que esses critérios de natureza eminentemente lingüística não são suficientes para proceder a identificação das UFs do domínio jurídico-ambiental, sendo necessário levar em conta também os aspectos pragmáticos, uma vez que é no universo de discurso, entendido aqui como domínio, que as unidades fraseológicas se definem.

A partir desse quadro, tomou-se como base teórica e metodológica a proposta de Daniel Gouadec (1994) que, para o reconhecimento da unidades fraseológicas, considera os critérios lingúísticos referidos acima como pressupostos, sugerindo a adoção de um enfoque pragmático-disursivo que leve em conta o discurso em que as unidades ocorrem.

Postula, então, como critérios fundamentais para a identificação desse tipo de unidades a estereotipia, vista como um conjunto de caracteres estabilizados e recorrentes em uma área, e a freqüência com que ocorrem em tal área. Concebe ainda que tais unidades se constituem de elementos invariáveis e variáveis, indicando, desse modo, a possiblidade de alterações no interior de uma mesma unidade. Significa que pode ocorrer a inserção e a supressão de um ou mais de um elemento ou a alteração de sua ordem.

A partir desses critérios (estereotipia, freqüência e conformação através de invariáveis e variáveis), esses conjuntos de caracteres especializados assumem o caráter de matriz, que pode ser representada através de formulações do tipo [x] constitui um compromisso entre [y] e [z], onde constitui um compromisso entre é considerada a invariável e [x], [y] e [z], as variáveis.

Com base na proposta de Gouadec, fundamentalmente nos critérios de estereotipia e de freqüência, mas sobretudo do conceito de matrizes, procedeu-se à coleta das UFs no âmbito do discurso jurídico-ambiental, tanto para as unidades que contêm uma UT como para aquelas que não a contêm.

Cabe esclarecer que, segundo a proposta desse autor, as UFs coletadas a partir de uma UT deveriam ser registradas na ficha do próprio termo num campo específico para a fraseologia. Contudo, para este trabalho, dadas as especificidades do domínio, tal proposta não foi suficiente para o reconhecimento desse tipo de unidades, principalmente por não permitir determinar os limites entre UTs e as UFs coletadas a partir de uma UT. Manteve-se, portanto, para esses casos, também a proposta de matrizes, diferenciando-se da proposta inicial do autor.

Assim, a partir dessa constatação todas as unidades, contendo ou não uma UT, chamada, neste trabalho, de pivô, foram coletadas utilizando-se a noção de matrizes.

Como fontes para a coleta das referidas unidades, foram utilizados os diplomas legais (Constituição Federal, leis, decretos-leis, decretos, portarias e resoluções) que constituem a Legislação Federal Ambiental Brasileira, publicados nas Coletâneas do IBAMA e da Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Estado do Paraná. Foi utilizado um total de 87 diplomas, todos eles em vigor, sem a escolha de um tema específico dentro do Direito Ambiental.

Deve-se ressaltar que tais fontes são utilizadas pelo Projeto TERMISUL para a coleta dos termos que compõem o dicionário jurídico-ambiental em elaboração por essa equipe.

Para o registro, elaborou-se uma ficha, contendo os seguintes campos: pivô /matriz, UF, contexto, fonte, tipo de documento, data, UF variante, UF sinonímica.

Como UFs variantes foram consideradas aquelas que permitiam a inclusão ou exclusão de um de seus elementos em relação à unidade de maior freqüência em um mesmo grupo, considerada como matriz principal. Como UFs sinonímicas, aquelas que permitiam a comutação dos elementos invariáveis por um sinônimo.

Definidos os critérios e o instrumento de coleta foi possível reconhecer e agrupar algumas unidades pertencentes ao domínio jurídico-ambiental, dando conta, desse modo, do primeiro problema surgido no início do trabalho.

Foram coletadas unidades do tipo de acordo com [x], para os efeitos de [x], compete a [x] fazer [y], o não cumprimento de [x] sujeita [y] a [z], preservação de [x], controle de [x], estabelecimento de critérios e padrões de [x], causar [x], responder por [x].

Diante desses exemplos, restava ainda a pergunta: tais unidades pertencem efetivamente a domínio jurídico ambiental ou fazem parte da língua comum?

Foi preciso, então, considerar os elementos que preenchiam as variáveis e, principalmente, que o corpus coletado é oriundo de um domínio híbrido, conformado pelas áreas jurídica e ambiental.

A primeira, por sua natureza específica de tutelar as relações do homem com a sociedade e, portanto, de estabelecer os limites para ações e fatos cotidianos, possui UTs e UFs bastante próximas da língua comum, conforme pode-se observar nos exemplos acima. Unidades do tipo, de acordo com pertencem à língua comum, mas quando suas variáveis são lei, decreto, resolução passam a fazer parte da fraseologia jurídica.

Por sua vez, o domínio ambiental caracteriza-se como um domínio emergente, constituído por distintas áreas como geologia, biologia, física, entre outras e cuja terminologia e fraseologia não estão tototalmente repertoriadas.

No entanto, apesar dessa conformação híbrida, o Direito Ambiental possui um estatuto próprio, na medida em que não é o resultado da união, pura e simples, do discurso jurídico com a preocupação dos ambientalistas e ecologistas, embora esteja implicado por ambos. A rigor, constitui-se sob a égide das leis e das normas que se instituem para regulamentar seus critérios de proteção ao meio ambiente, estabelecendo, com isso, instrumentos que lhe são próprios e determinando sanções aplicáveis aos casos de infração.

Considerando essa perspectiva e com base no pressuposto de que é no domínio em que ocorre que a unidade se define, foi necessário identificar as características do discurso jurídico-ambiental, referidas a seguir.

O objetivo fundamental do Direito é regular as relações do Homem em sociedade e é a partir desse objetivo que se institui, conforme afirmou-se anteriormente. Nesse sentido, foi posível reconhecê-lo como um discurso auto-regulamentado uma vez que estabelece a relação de um diploma legal com outro, impondo uma sujeição e dependência interna que determinam os limites e a abrangência das normas. Surge aqui a primeira característica, qual seja, a auto-regulamentação jurídica.

Explicita ainda a força legal, isto é, determina claramente que para o atendimento dos objetivos estabelecidos na lei, devem ser cumpridas as ações por ela estabelecida. Dentro desse âmbito, define os conceitos implicados na norma para assegurar sua compreensão unívoca e, conseqüentemente, seu cumprimento. Essa característica foi denominada de acarretamento legal.

Além dessas especificidades, esse discurso define as instâncias competentes para emitir a norma jurídica e fazer cumpri-la como, por exemplo, os órgãos do Estado através dos poderes legislativo, judiciário e executivo que não apenas elaboram as leis, mas também fiscalizam seu cumprimento. Estabelecem-se, a partir da existência das normas e de sua fiscalização, sanções quando do não seguimento das mesmas, ou seja, quando são cometidas infrações. Chegou-se, assim, a outras duas características, a saber, o estabelecimento de competências e infrações e sanções.

Ressalte-se que essas características foram identificadas para as unidades que não continham uma UT no seu interior como, por exemplo, de acordo com [x], para os efeitos de [x], permitindo agrupá-las segundo as quatro características anteriores.

No entanto, se o discurso jurídico visa a regulamentar as relações do homem em sociedade, o Direito Ambiental, que faz parte desse sistema mais amplo de normas, tem o objetivo de regular as relações do Homem com a natureza.

Nesse sentido, seu objetivo maior é tutelar a qualidade do meio ambiente, ou seja, garantir sua preservação, proteção, conservação e manutenção. Como primeira característica idetificou-se, então, as finalidades do direito ambiental.

Para atingir esses objetivos, estabelece instrumentos de controle entre os quais eles pode-se citar os instrumentos de intervenção ambiental (estabelecimento de normas e padrões, por exemplo), intrumentos de controle ambiental (fiscalização e inspeção) e instrumentos de controle repressivo (responsabilidades e penalidades). Significa a imposição de sanções que visam a reparação dos danos causados ao meio ambiente. Define, desse modo, as formas de ação, o alcance e os objetos sobre os quais as ações regulamentadoras, prescritivas e punitivas se aplicam.

Temos, a partir desses elementos, outras quatro características, a saber: instrumentos de controle ambiental, instrumentos de intervenção, danos ambientais e instrumentos de controle, subdividido em responsabilidades e penalidades.

Estas últimas cinco características permitiram agrupar as unidades que continham um pivô (ou UT) entre seus elementos, coletadas a partir de termos já registrados pelo Projeto Termisul. Para a coleta dessas unidades, foram selecionados, aleatoriamente, os seguintes: agrotóxicos, danos ambientais ou danos ao meio ambiente, degradação ambiental, ecossistemas, equilíbrio ambiental, recursos ambientais e qualidade ambiental.

A identificação dessas especificidades permitiu, portanto, reconhecer tais unidades como pertencentes ao domínio jurídico-ambiental e também agrupá-las da seguinte forma:

1 Matrizes sem pivô terminológico

1.1 Auto-regulamentação jurídica, contendo as matrizes de acordo com [x], na forma de [x], nos termos de [x], onde x pode ser preenchido com os diplomas legais e seus segmentos (Lei, decreto, Resolução, parágrafo, inciso, etc.).

Ex: De acordo com [a Lei], de acordo com [o decreto nº... de... ]

1.2 Acarretamento legal, incluindo como matriz principal para efeitos de [x].

Exemplo: Para efeitos [deste Regulamento].

1.3 Atribuição de competências, que tem como matriz principal compete a [x] fazer [y].

Ex. "Compete [aos Estados e Municípios] [o estabelecimento e implementação dos programas de educação e controle da poluição ambiental].

1.4 Infrações e sanções, contendo as matrizes: o não cumprimento de [x] sujeita [y] a [z], cometer [x] sujeita [y] a [z] e a inobservância de [x] sujeita [y] a [z].

Ex.: O não cumprimento [das obrigações referidas no caput deste artigo] sujeita [o infrator] [às sanções de advertência e multa].

No caso dessas matrizes, podemos observar que os grupos 1 (auto-regulamentação jurídica) e 2 (acarretamento legal) contêm as matrizes pertencentes ao discurso jurídico como um todo, independentemente de qualquer especialidade jurídica. Por exemplo: de acordo com [a lei] e para os efeitos [deste Decreto] podem ocorrer em qualquer diploma legal.

O terceiro grupo (atribuição de competências) e o quarto (infrações e sanções), incluem nas variáveis elementos referentes à tutela do meio ambiente, como controle da poluição sonora, fazendo parte, portanto, do direito-ambiental. Além disso, pela amplitudade das ações e objetos que abarca sua tutela, podem ter um grau de fixação menor se comparados com os dois primeiros grupos que admitem um número reduzido de variáveis.

Conforme afirmou-se anteriormente, foram registradas ainda UFs variantes e sinonímicas. Como exemplo da primeira pode-se citar de acordo com o disposto em [x] que permite a inclusão dos elementos o disposto em em relação à matriz principal de acordo com [x]. Um exemplo unidade sinonímica seria para as finalidades de [x] em que para as finalidades de foi considerada sinônima de para efeitos de [x], matriz principal do segundo grupo.

2. Matrizes com pivô terminológico

2.1 Finalidades do Direito Ambiental, que contém as matrizes preservação de [x], proteção de [x], manutenção de [x]

Ex.: preservação dos [ecossistemas], proteção da [qualidade ambiental]

2.2 Instrumentos de controle ambiental, cujas matrizes são controle de [x] e fiscalização de [x]

Ex: controle da [degradação ambiental], fiscalização dos [recursos ambientais]

2.3 Instrumentos de intervenção, que tem como matriz representativa estabelecimento de normas, critérios e padrões de [x]

Ex: estabelecimento de normas, critérios e padrões de [qualidade ambiental]

2.4 Danos ambientais, que abarca as matrizes causar [x] e provocar [x]

Ex.: causar [a degradação ambiental], provocar [danos ambientais]

2.5 Instrumentos de controle repressivo, subdividido em:

2.5.1 responsabilidades, contendo a matriz responder por [x]

Ex.: responder por [danos ambientais]

2.5.2 penalidades, cujas matrizes são reparação de [x] e indenização de [x]

Ex.: reparação [dos danos ambientais]

Observou-se ainda que para esse último grupo, a ocorrência de variáveis foi menor, permitindo considerá-las como tendo um maior grau de fixação. São, portanto, mas estáveis que o primeiro grupo.

Analisando os resultados obtidos, esse grupo foi considerado como a genuína fraseologia do Direito Ambiental, refletindo o novo estatuto que adquire esse domínio, a despeito de sua conformação híbrida. Difere-se, portanto, do primeiro grupo, relacionado mais estreitamente ao domíno jurídico, embora já inclua em algumas de suas variáveis elementos relativos à tutela ambiental.

A partir dos critérios aqui adotados e da identificação das características do domínio jurídico-ambiental, foi possível indicar propostas para os problemas apresentados inicialmente, chegando-se a um conjunto de unidades denominado de fraseologia jurídico-ambiental, conforme pode-se observar no quadro em anexo.

Nesse sentido, é possìvel afirmar que a adoção da proposta de matrizes mostrou-se produtiva e dinâmica para o identificação das UFs pertencentes ao domínio jurídico-ambiental. Além disso, permitiu estabelecer as condições de formalização para seu reconhecimento e descrição, bem como ampliar o conceito de unidade fraseológica ao considerar como tal todas as unidades estereotipadas e freqüentes em um domínio, independentemente de conterem ou não uma unidade terminológica.

Finalizando, podemos dizer que tal estudo permitiu uma melhor compreensão do complexo fenômeno da fraseologia assim como adentrar no unverso do discurso, que se mostrou fundamental para o reconhecimento das UFs, que não seria possível somente com a análise mofossintática das matrizes.

 

Referências Bibliográficas

1 BLAIS, Esther. Le phraséologisme. Une hypothése de travail. Terminologies Nouvelles, 10, Bélgica, RINT, 1993. p. 50-56.

2 GOUADEC, Daniel Nature et traitement des entités phraséologiques. Terminologie et phraséologie. Acteurs et amenageurs. Actes du deuxieme Université d’Automne en Terminologie. Paris: La Maison du Dictionnaire, 1994. p. 164-193.

3 IBAMA. Coletânea da Legislação Federal do Meio Ambiente. Brasília: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais e Renováveis, 1992. 797 p.

4 PARANÁ. Secretaria do Estado do Desenvolvimento Urbano e do Meio Ambiente. Coletânea da Legistação Ambiental: Federal, Estadual, 1990. 2a. ed. Curitiba, 1991. 536 p.

5 PAVEL, Silvia. La phraséologie en langue de spécialité. Méthodologie de consignation dans les vocabulaires terminologiques. Terminologies Nouvelles, 10, Bélgica, RINT, 1993. p. 67-82.

?6 PICHT, Heribert. LSP phraseology from the terminological point of view. Terminology Science & Research, vol. 1, n. 1-2, Viena, ITTF, 1990. p. 33-48.

7 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 1994. 243 p.

 

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