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A DEFINIÇÃO TERMINOLÓGICA DO DICIONÁRIO TERMISUL: EXPRESSÃO LINGÜÍSTICA DE RELAÇÕES CONCEPTUAIS COMPLEXAS

 

Maria José Bocorny Finatto

Projeto TERMISUL, Universidade Federal do Rio Grande do Sul/ Brasil

 

ABSTRACT

Some inter-relations between the conceptual and linguistic planes present in the terminological definitions are considered. A set of specific entries of the TERMISUL Environmental Law Dictionary are discussed viewing a potential contribution of the prototype categorization and of the models of a predicate propositional analyses as well.

1- INTRODUÇÃO

Em trabalho anterior (Finatto,1995), propus que uma descrição da definição terminológica em termos de suas proposições predicativas interpretantes poderia auxiliar a tarefa de sua verificação e crítica com vistas à obtenção de uma maior homogeneidade lógico-semântica.

Naquela ocasião, aceitei que os predicados SER incl, SER qual, POSSUIR, FAZER, SERVIR para e RESULTAR de, depreendidos dos conjuntos proposicionais a que se reduziam as definições, apresentavam recorrência e poderiam servir para a representação predicativa da definição. Tal raciocínio, apesar de algumas dificuldades, foi efetiva e positivamente aproveitado para a revisão de grande parte das definições TERMISUL.

Mas, além dos empecilhos desse instrumento, já apontadas naquele trabalho, o pleno "encaixe" dos textos das definições a essas categorias verbais revelou-se impossível. Isso porque, nos verbos categoriais acima citados, podem estar contidos, às vezes, até outras quatro realizações verbais. Assim, a redução do conjunto verbal da definição a uma tal categorização revelou um problema importante: a falta de uma sistemática consistente para esse trabalho, visto que muitos verbos parecem se adequar a mais de um rótulo numa mesma definição.

Isso acabou indicando que, na verdade, tais categorias verbais devem estar vinculadas a categorias abstratas, talvez mais amplas, não necessariamente concretizadas por um verbo específico. O que implica dizer que, para o aperfeiçoamento desse instrumento, parece ser preciso lançar mão de uma estrutura concreta, efetivamente realizada sob a forma do texto definitório, correspondendo-a a uma outra, abstrata, subjacente à primeira.

Assim, com vistas a um aperfeiçoamento desse instrumento, partiremos do pressuposto que os princípios da teoria protípica para análise morfológica podem ser mais adequados à representação de verbos contidos nas definições.

Nessa direção, é que discutimos aqui uma proposta de categorização conceptual oriunda da chamada teoria semântica prototípica ou cognitiva, apresentada principalmente por Weissenhofer (1995), objetivando sua melhor aplicabilidade à descrição da organização conceptual e lingüística de definições.

Após uma breve discussão, os princípios levantados servirão para o tratamento dos seguintes verbetes e suas correspondentes definições coletados em diplomas legais brasileiros: aditivo1, aditivo2 e aditivo incidental . A escolha desse pequeno conjunto de termos foi aleatória, observando-se naturalmente a sua ligação conceptual "produto químico".

2.- CATEGORIAS PROTOTÍPICAS E ANÁLISE DE DEFINIÇÕES

2.1 Categorias prototípicas

Em terminologia, como bem observa Weissenhofer (op.cit.p.2), os conceitos podem ser definidos como unidades de pensamento servindo à representação mental da realidade, ou como unidades de conhecimento, servindo a uma representação da estrutura de conhecimento, ou, finalmente, como unidades de comunicação que servem para comunicar conhecimento. Essa última consideração, ao que parece, poderia ser pensada do seguinte modo: comunicamos conhecimentos através de conceitos ou da denominação/expressão que lhes damos/correspondemos?

No trabalho desse Autor, é examinada a constituição da terminologia do baseball no que se refere às relações entre seu sistema de conceitos e sua expressão lingüística sob a forma de termos compostos ou sintagmas terminológicos. São apresentadas, para o tratamento das estruturas sintagmáticas, as seguintes categorias conceptuais assim expressas: LUGAR, AGENTE, QUANTIDADE, MERONÍMIA (ou PARTE-TODO, TODO-PARTE), ORIGEM, PROPRIEDADE, CONSTITUIÇÃO, TEMPO, SEMELHANÇA, INSTRUMENTO, CAUSA, EQUAÇÃO, COMPOSIÇÃO, PROPÓSITO, POSSE e NEGAÇÃO.

Essas relações entre o termo determinante e o determinado, para os caso dos sintagmas apontadas pelo autor, são as mesmas da semântica prototípica para a análise morfológica. À primeira vista, isso nos parece indicar que tais relações podem ser estendidas também à categorização dos verbos da definição, principalmente se for empreendida uma análise de sua estrutura morfológica.

Na tentativa de averiguar as possibilidades dessas categorias conceptuais, são examinadas, resumidamente, as definições já citadas1. Procurei, nesse sentido, numa versão um pouco diferente da proposta pelo Autor, preencher as categorias indicadas sem, no entanto, perseguir simplesmente uma análise de elementos/constituintes morfológicos do verbo. Pois, de antemão, uma descrição mais distanciada da porção concreta do enunciado parecia ser mais adequada.

Transformei, então, as categorias citadas em perguntas ao texto da definição, optando por não empreender um simples "encaixe" de seus verbos, ocultos ou realizados, a novos rótulos. De tal modo, para a categoria LUGAR, por exemplo, formulei a seguinte pergunta: qual o lugar de X (termo)? Procurei respondê-la com base nas informações presentes ou inferidas a partir da definição. Para as demais categorias, formulei perguntas nos mesmos moldes. A impossibilidade de resposta foi assinalada por meio do símbolo Æ .

2.2 Análise de definições

É importante também observar que os verbetes abaixo indicados pertencem à categoria operacional "termo definido pelo lei", isto é, obedecem a uma formulação que seria, a princípio, cunhada pelas peculiaridades conceptuais do domínio jurídico-ambiental. Sua análise, nessas condições, teve o objetivo primeiro de uma descrição de suas estruturas lógico-semânticas, com vistas a um aperfeiçoamento do texto da definição. Como contraste, é também apresentada uma análise proposicional predicativa possível do mesmo enunciado:

 

ADITIVO1:

qualquer substância adicionada intencionalmente aos agrotóxicos ou afins, além do ingrediente ativo e do solvente, para melhorar sua ação, função, durabilidade, estabilidade e detecção ou para facilitar o processo de produção.

LgBR DEC 98816 de 11/01/90, art. 2º, xxviii

a)núcleos dos predicados: ser/ ser adicionado/não ser /servir para(melhorar/facilitar)

b) representação predicativa:

SER incl= qualquer substância

SER qual1 = adicionada intencionalmente aos(...) afins

SER qual2 = não é ingrediente ativo ou solvente

SERVIR para= melhorar sua ação(...) produção.

POSSUIR= Æ

FAZER= melhorar sua ação(...) produção

RESULTAR de=Æ

c) categorização prototípica:

1. LUGAR=nos agrotóxicos

2. AGENTE=Æ

3. QUANTIDADE=Æ

4. MERONÍMIA= parte componente do agrotóxico/ aquilo que ultrapassa ingrediente ativo e solvente

5. ORIGEM =adição voluntária durante a fabricação do agrotóxico

6. PROPRIEDADE= intencional/ serve para melhorar a ação/produção do agrotóxico

7. CONSTITUIÇÃO= ser qualquer substância que não ingrediente ativo + solvente

8. TEMPO=Æ

9. SEMELHANÇA=Æ

10. INSTRUMENTO=Æ

11. CAUSA= efeito positivo

12. EQUAÇÃO=Æ

13. COMPOSIÇÃO= ser qualquer substância que não ingrediente ativo e solvente

14. PROPÓSITO= melhorar (...) produção

15. POSSE=Æ

  1. NEGAÇÃO= não é ingrediente ativo ou solvente

ADITIVO2

substância adicionada aos medicamentos, produtos dietéticos, cosméticos, perfumes, produtos de higiene e similares, com a finalidade de impedir alterações, manter, conferir ou intensificar seu aroma, cor e sabor, modificar ou manter seu estado físico geral ou exercer qualquer ação exigida para a tecnologia de fabricação DEC 79094 de 05/1/77, art. 3º, XI.

a) núcleos dos predicados: ser/ser adicionada/servir para (impedir, manter, conferir, intensificar, exercer)

b) representação predicativa:

SERincl= substância

SER qual= adicionada aos (...) e similares

SERVIR para=impedir (...) melhorar sua ação(...) produção.

POSSUIR= Æ

FAZER= impedir (...) melhorar sua ação(...) produção.

RESULTAR de=Æ

c) categorização prototípica:

1. LUGAR= medicamentos, produtos dietéticos, cosméticos(...)

2. AGENTE= Æ

3. QUANTIDADE=Æ

4. MERONÍMIA= parte componente de medicamentos, produtos dietéticos, cosméticos(...)

5. ORIGEM = adição voluntária durante a fabricação

6. PROPRIEDADE= intencional

7. CONSTITUIÇÃO= ser substância

8. TEMPO=Æ

9. SEMELHANÇA=Æ

10. INSTRUMENTO= Æ

11. CAUSA= efeito positivo

12. EQUAÇÃO=Æ

13. COMPOSIÇÃO= ser substância

14. PROPÓSITO= impedir (...) produção

15. POSSE=Æ

16. NEGAÇÃO=Æ

ADITIVO INCIDENTAL

Def.: Toda substância, residual ou migrada, presente no alimento em decorrência dos tratamentos prévios a que tenham sido submetidos a matéria-prima alimentar e o alimento "in natura", e do contato do alimento com os artigos e utensílios empregados nas suas diversas fases de fabrico, manipulação, embalagem, estocagem, transporte ou venda.

Lg RS DEC 23430 de 24/10/74, art. 342,IX

a) núcleos dos predicados: ser/ser residual, migrada/ estar presente em /resultar de

b) representação predicativa:

SERincl= substância

SER qual1= residual ou migrada

SER qual2= adicionada

RESULTAR de= tratamento prévio da matéria-prima alimentar/ contato com (...) venda.

SERVIR para=Æ

POSSUIR= Æ

FAZER=Æ

c) categorização prototípica:

1. LUGAR= no alimento

2. AGENTE=Æ

3. QUANTIDADE=Æ

4. MERONÍMIA= parte não necessária dos alimentos*

5. ORIGEM = adição involuntária (?) durante o processamento dos alimentos*

6. PROPRIEDADE= incidental, acidental, nocivo*

7. CONSTITUIÇÃO= substância residual ou migrada

8. TEMPO=Æ

9. SEMELHANÇA=Æ

10. INSTRUMENTO=Æ

11. CAUSA= prejuízo à qualidade do alimento (?)*

12. EQUAÇÃO=Æ

13. COMPOSIÇÃO= ser substância

14. PROPÓSITO =Æ

15. POSSE=Æ

16. NEGAÇÃO=Æ

* informações inferidas

3- DISCUSSÃO

Embora em pequeno número, os exemplos de descrição aqui colocados apontam as seguintes considerações de caráter geral:

1) uma maior opção categorial facilita o tratamento do texto da definição;

2) a informação concreta, posta no texto do verbete, não é suficiente para o preenchimento dos dois tipos de categorias, prototípicas ou predicativas;é preciso inferir dados. Aparece aqui a relação posto/pressuposto.

Na verdade, o que se verifica é que, para efetivação da análise, tal como ocorreu em aditivo incidental com as categorias MERONÍMIA,ORIGEM, PROPRIEDADE e CAUSA, recorreu-se a elementos não postos concretamente no texto da definição, mas sim circunscritos a outros co-textos do termo. Nesse caso, um microdomínio, ou uma lei que disciplina o processamento de produtos alimentícios e que tem o objetivo de submeter eventuais contaminações de alimentos ou a utilização de substâncias não autorizadas a uma determinada sanção jurídica.

De outro lado, podemos considerar que essas categorias de preenchimento por inferência (MERONÍMIA,ORIGEM,PROPRIEDADE e CAUSA) sejam justamente as condições suficientes e necessárias para delimitar o conceito correspondente a ADITIVO INTENCIONAL se acompanhadas ainda de CONSTITUIÇÃO ou COMPOSIÇÃO. Nesse caso, caberia, então, a pergunta: por que o diploma legal trata homogeneamente, nos três conceitos, apenas CONSTITUIÇÃO/COMPOSIÇÃO?

À primeira vista, a resposta parece ser a seguinte: porque, a priori, fica bastante dificultada a existência básica de uma definição sem para o enunciador da lei que formula a definição é tão insuficiente para o usuário dessa informação? Essa pergunta pode ser respondida com argumentos variados e,inclusive, recorrentes.

Finalmente, é importante reconsiderar a idéia de que a definição terminológica é um lugar de encontro entre o aspecto conceptual e o lingüístico. De tal modo, uma vez que o texto da definição tem a função de descrever as características que delimitam um conceito e a função de particularizá-lo num determinado sistema conceptual ou domínio, é de se esperar que isso seja feito completa e satisfatoriamente por meio da expressão lingüística.

O que ocorre, no entanto, no caso dessas definições, é que algumas categorias não são linguisticamente expressas, são silenciadas ou remetidas para outros textos que enunciador da lei talvez suponha serem de acesso ao cidadão. Nesse caso, a complexidade conceptual se instaura e é, pelo o que parece, uma das marcas desse domínio altamente multidisciplinar.

Weissenhoffer (op.cit.p.8), a esse propósito, considera que estruturas semânticas são um subconjunto de estruturas conceptuais, principalmente aquelas estruturas conceptuais que sejam verbalmente expressas. O que é um postulado bastante interessante, uma vez que reitera a subordinação do elemento lingüístico ao conceptual . Isso, dito sob outra forma, poderia ser assim expresso: "a palavra vai ser sempre menor que o conceito".

4- CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelo o que propus neste trabalho, especificamente no que se refere ao aperfeiçoamento de um instrumento para a sistematização/ tratamento de definições terminológicas2, verifiquei que, apesar de uma certa inexorabilidade ou "vício de origem" impresso à questão a partir da oposição palavra/conceito, é possível concluir que uma maior opção categorial, tal como a proposta por Weissenhoffer, torna menos difícil a descrição da estrutura das definições.

De outro lado, é de se esperar que a teoria terminológica continue avançando no sentido de investigar como as relações entre conceitos e palavras estão sendo diferentemente constituídas em função das peculiaridades dos domínios repertoriados. Afinal, reconhecer que o percurso entre o enunciado da definição e qualquer aproximação ou tratamento teóricos seja naturalmente tortuoso é importante, mas ainda é um tanto frustrante para as necessidades de um trabalho prático que, apesar de tudo, vai sendo levado adiante e continuará impulsionando reflexões teóricas.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FINATTO, M.José B. Towards the Characterization of Terminological Definitional Paradigms. Terminology Science & Research. Wien: TERMNET, jul /95 , p. 03-13

KLEIBER, G. La sémantique du prototype: catégories et sens lexical. Paris: PUF, 1990. 208p.

WEISSENHOFFER, Peter. Conceptology in terminology theory, semantics and word-formation. Wien: TermNet, 1995. 271p.


1 Não foram aqui consideradas a remissivas indicadas no texto do verbete.
2 Não foram aqui consideradas as definições por extensão ou enumeração.

 

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